Apresentação do Grupo de Trabalho Migrações

Por que os movimentos sociais devem preocupar-se com a questão das migrações internacionais?

Porque é uma questão de humanidade.

São inaceitáveis os tratamentos desumanos infligidos a pessoas simplesmente por quererem mudar de local de residência. Ninguém mais pode, hoje em dia, desviar os olhos face às chegadas de migrantes que fogem de todas as espécies de perigos e precariedades, e considerar que o que foi feito há anos constitui uma resposta adaptada. O aumento catastrófico de mortos e desaparecidos no Mar Mediterrâneo e os numerosos relatórios que documentam as violações graves dos direitos humanos de migrantes nos países de trânsito (escravidão, tráfico e prostituição, tortura, etc.) são outras tantas provas da degradação da situação dos que deixam seus países.

Porque é uma questão flagrante de injustiça entre “o Norte” e “o Sul”.

Os sistemas que governam as migrações são essencialmente da competência das prerrogativas dos Estados e não são mais adequados às realidades migratórias do século XXI, marcadas pela globalização. Estes sistemas desprezam um direito fundamental constante do artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem [1] Estes sistemas consagram a existência de uma mobilidade com duas velocidades: os países mais privilegiados oferecem a seus cidadãos possibilidades de circulação quase sem limites, enquanto três quartos da humanidade não podem escapar a uma forma de intimação à residência efetiva. Resulta daí percursos administrativos aberrantes, exigências de garantias financeiras desmedidas, situações de trabalho comparáveis à escravidão e uma criminalização crescente da imigração dita ilegal… Os migrantes hoje têm se transformado em vítimas do arbítrio e da violência institucional bem como presas para as redes criminosas.

Porque a abordagem atual está baseada em múltiplos erros de análise.

As políticas garantem uma visão utilitária das migrações, fazendo crer que estas deveriam ser reduzidas em período de crise como se elas fossem um fator agravante. Esta política se baseia em um duplo erro de análise: a de que a migração tem um impacto negativo na economia, e de que o fechamento das fronteiras levaria a uma diminuição das migrações.

São numerosos os estudos que destacam o impacto positivo das migrações na economia dos países de destino. Para os países de origem, igualmente, as migrações favorecem o desenvolvimento e a economia graças, entre outros motivos, ao envio de fundos pelas migrantes: em 2012, os fundos oficiais assim repatriados aos seus países de origem pelos migrantes no mundo representavam 401 bilhões de dólares. De acordo com o Banco Mundial, estas transferências são muito superiores às ajudas públicas ao desenvolvimento.

As políticas migratórias repressivas têm como objetivo a redução dos fluxos migratórios: essa concepção é baseada na ignorância das causas das migrações onde intervêm fatores de atração e repulsão. Os movimentos atuais de pessoas no espaço mediterrânico nunca foram tão elevados, enquanto que ao mesmo momento os meios levados a cabo para o controle das fronteiras nunca foram tão importantes e sofisticados. As consequências são catastróficas: entre 2000 e 2014, mais de 40.000 migrantes morreram tentando atingir outros países, 22.000 dos quais no Mediterrâneo. Finalmente, uma constatação impõe-se: mesmo que os aparelhos de controle ou de vigilância e o arsenal legislativo estejam reforçados, as migrações não diminuem e as autoridades políticas mostram a sua incapacidade em chegar à mínima conclusão plausível. Além de não atingir os objetivos visados, essa política repressiva é extremamente dispendiosa.

Porque a abordagem atual constitui uma ameaça para o viver em conjunto em cada sociedade.

Um grande número de Estados instaurou políticas migratórias repressivas caracterizadas pelo fechamento das fronteiras e pela intensificação dos controles que provocam a criação de fato de uma categoria de pessoas consideradas “ilegais”. Esta política fragmenta mais ainda as nossas sociedades e contribui para o aumento da intolerância com a percepção dos estrangeiros e estrangeiras como ameaçadores e indesejáveis e que leva os migrantes a situações dramáticas.

A migração está hoje na medida de um mundo globalizado e sempre em desenvolvimento, ou seja, chamado a crescer e se diversificar. Negar essa situação, ignorá-la ou afirmar poder dominá-la tem produzido até agora os piores excessos: morte e sofrimentos para milhares de pessoas, negação dos direitos humanos, segregação crescente entre ricos e pobres, sem falar de frustrações que se acumulam e do isolamento que alimenta os extremismos. Chegou, portanto, o tempo de reconsiderar as condições que impactam a mobilidade das pessoas, o que só poderá surgir numa óptica universal e de mudança de governança. Tal mudança deverá ser construída com as sociedades civis, os migrantes e em uma perspectiva de cidadania universal.

É urgente, por fim, olhar com tranquilidade a migração como um fato social comum, característico dos tempos presentes e futuros, profundamente ligada às transformações mundiais, das quais é ao mesmo tempo causa e consequência.

É tempo dos movimentos sociais se mobilizarem e lançarem um chamado de despertar das consciências e da inteligência coletiva, uma mudança de rumo para sair do impasse e responder aos desafios históricos que nos são colocados.

Como devemos nos mobilizar?

Indignando-nos! Apelando ao despertar das consciências!

Devemos deixar mentalmente um mundo que não existe mais e cessar de nos esgotarmos em políticas vãs, mortíferas, contraproducentes e olhar de frente a evidência da mobilidade, as oportunidades que ela oferece ao desenvolvimento dos indivíduos e das sociedades, à solidariedade e à paz. Num mundo de interdependência e de comunicação, a fronteira não pode mais ser uma barreira, um cadeado e ainda menos um cemitério, mas um espaço de encontro, de trocas e de abertura à realização de cada um. Os movimentos sociais devem agora sair do silêncio e fazer ouvir sua voz para denunciar este inaceitável estado de coisas.

Essa é a proposta básica!

Os movimentos sociais devem olhar hoje o que se passa noutros lugares e propor abordagens alternativas. Mostrar que políticas migratórias alternativas são possíveis. Mostrar que já existem espaços geográficos e políticos nos quais se exerce a livre circulação das pessoas (Espaço Schengen para a União Europeia, UNASUR para a América do Sul, CEDEAO para a África do Oeste, ASEAN para os países do Sudeste asiático…). Para evitar que a própria liberdade de circulação seja fonte de novas formas de precarização ou de exploração, ela deverá ser associada estreitamente ao acesso e ao respeito dos outros direitos fundamentais, ou seja, a uma perspectiva de cidadania universal. Paralelamente, deverão ser reafirmadas as garantias em matéria de asilo e proteção internacional. Nada poderá ser construído sem um mínimo de objetivos vinculativos, de imperativos de regulação, de distribuição das responsabilidades e do respeito aos compromissos assumidos. As Universidades devem desempenhar um papel ativo na produção científica de conteúdo sobre os fenômenos migratórios e também no ensino dessas questões.

Fazendo alianças e uma frente comum!

Só um diálogo entre múltiplos atores poderá permitir progressos nessa área. Assim, convém instaurar espaços de discussão entre Estados, autoridades locais, eleitos, migrantes, especialistas e sociedade civil, no âmbito e sob a legitimidade das Nações Unidas. Após ter lançado “um diálogo de alto nível” e ter apresentado numerosos trabalhos e declarações que reconhecem a contribuição das migrações, as Nações Unidas deverão cruzar uma nova etapa reunindo uma conferência dos Estados com o propósito da construção da liberdade de circulação das pessoas. Os migrantes devem fazer parte integrante dos processos de discussão sobre o Direito à mobilidade e a liberdade de circulação e de instalação, mas sua palavra deve também ser divulgada fora destes fóruns. Acima dos números e das teorias é necessário se lembrar de que por trás das questões das migrações trata-se de vidas humanas, e os migrantes são os mais indicados para testemunhar isso. É assim primordial dar novamente a palavra aos primeiros interessados, permitir-lhes serem plenamente cidadãos e atores das lutas. Essa aliança entre as associações de migrantes e os outros movimentos sociais não deve fazer esquecer a defesa do direito a permanecer “nele” e a fazer de modo que a migração não seja uma escolha padrão! Neste sentido, é essencial também às associações que querem defender o direito de viver e trabalhar ao país.

[1Artigo 13 - 1 da Declaração universal dos direitos humanos - Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. . 2- Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

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