A quem interessa enterrar o FSM?

, par  CRUZ Mauri

Que os processos ligados ao FSM sempre foram complexos e com profundas divergências entre as várias matizes políticas e atores envolvidos é de conhecimento de todas e de todos. Este fato não deve surpreender ninguém. Não é fácil a tentativa de organizar em caráter internacional uma ação conjunta das lutas da classe trabalhadora, somando-se a todas as demais lutas sociais por liberdade, democracia, direitos humanos, direitos das mulheres, do povo negro, da liberdade religiosa, dos direitos das crianças, dos jovens e adolescentes, dos idosos, da livre organização dos povos, pela proteção ao meio ambiente e tantas outras agendas que cobriria toda estas duas páginas. Mais que isso, articular estas lutas e estes atores numa mesma estratégia anticapitalista propondo uma nova ordem das coisas, sintetizada na ideia de outro mundo possível, urgente e necessário é mesmo muito complicado.

É um esforço complexo, de difícil realização e que deve-se ter a paciência e capacidade tolerante de compreensão dos tempos e movimentos de cada processo, cada ator, cada movimento. Desde seu nascimento, o FSM sofreu ataques dos que pregaram seu falecimento. Lembro da preparação do FSM2009, em Belém, dos textos, documentos e mensagens que proclamavam seria a ultima edição. Curiosamente, muitos dos que, ainda hoje, planejam seu enterro.

A carta de Pablo Solon, por mais que respeite sua trajetória política, não tem nenhum sentido, para quem está envolvido nos processos de organização do FSM. Sequer a proposta de Tribunal Ético Internacional foi ignorada pelas organizações brasileiras do CI. Aliás, organizações estas que estão no centro da luta contra o golpe, atuando diretamente na mobilização e resistência, organizando atos, arrecadando recursos e garantindo que a luta seja repercutida em todo mundo.

A ideia do professor Boaventura nasceu quase como uma denúncia contra o CI. Erro de método daqueles que só aceitam o FSM se ele for a sua imagem e semelhança. Mas isto não desmereceu a ideia que foi bem aceita pelas organizações brasileiras e internacionais que passaram a, sem alarde ou disputas de protagonismos, organizá-la tanto no Brasil, como em Montreal.

Para os desavisados ou que estão distantes dos processos internacionais que envolvem a preparação do FSM2016, não há qualquer hipótese de enterro do FSM em Montreal. Haverá não uma, mas várias atividades em denuncia ao golpe no Brasil e as tentativas de reversão das conquistas na América Latina. Os temas ambientais, dentre eles a tragédia de Mariana, os temas da crise internacional, dentre eles o tema dos refugiados na Europa, os temas da crise democrática em todo o mundo estarão no centro do debate.

Aqui não se trata de dizer que o FSM não possui sérios problemas em sua dinâmica de organização, sua lógica de funcionamento e seus processos internos. É pública a crise do Conselho Internacional. A Abong e a CUT, só para citar duas organizações brasileiras, têm atuado no sentido de conseguir superar esta crise sem comprometer o futuro do FSM. Aliás, relendo recentemente a Teoria da Organização Política, coletânea dos escritos de Marx, Engels, Lenin, Rosa, Gramsci e Mao, é possível verificar quão difícil foi e ainda é a história da organização internacional das trabalhadoras e trabalhadores. Os insucessos decorrem da mesma dificuldade de construir, democraticamente, os consensos. A crise é sempre da direção ou, melhor dizendo, do dirigismo. Os problemas deste a Primeira Internacional até os dias de hoje é de quem hegemoniza o processo da organização internacional. E, não raro, os setores que não se sentem representados rompem com os processos e dividem a luta. Tem sido assim a trágica histórica da articulação internacional anticapitalista. E esta divisão da luta contra o imperialismo só interesse aqueles que são contra o outro mundo possível.

Pois bem, ouso dizer que o FSM pautou uma proposta político metodológica que rompe com as concepções tradicionais de que a vanguarda é quem deve decidir sobre estes processos. Esta proposta político metodológica gera uma dinâmica muitas vezes difusa, complicada e que, olhando de longe, aparenta inércia ou falta de decisão. A crise do próprio CI tem a ver com a ideia de que há uma direção autoproclamada. O envelhecimento deste espaço e sua dificuldade de se abrir, recompor e incluir novos atores indica que as próprias organizações que dele participam relutam em praticar o que defendem.

Mas isso não é motivo para enterrar o FSM. A construção de consensos pelo debate político é sempre complicada. Tenho dito que quinze anos na vida de uma organização é quase nada. E na vida de uma articulação internacional com a dimensão e os propósitos do Fórum Social Mundial, menos ainda. Creio que, assim como nas outras edições, não será desta vez que os setores críticos aos processos do Fórum Social irão enterrá-lo. Até porque o FSM é auto-organizado, desta forma, quem poderia decidir acabar com o ele?

Mauri Cruz
Advogado, professor de pós-graduação em direito à cidade, mobilidade urbana e gestão de OSCs, dirigente nacional da Abong, atuante no Comitê Local de Apoio ao FSM em Porto Alegre.

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