Situação dos povos indígenas do Brasil diante do Covid-19

, par  Autres Brésils, Jéssica Tupinambá, Nathalie Pavelic

No Brasil, lutar contra a disseminação do Covid-19 é também lutar contra o presidente Jair Bolsonaro, que continua negando a gravidade do vírus e recomenda publicamente não seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde, especialmente no que diz respeito à medidas de confinamento social. Segundo ele, o vírus seria apenas "uma gripezinha" e, portanto, não teria razões para paralisar a economia. Ele divulga constantemente informações falsas sobre o Covid-19 e incentiva o uso da hidroxicloroquina. Em 16 de abril, em meio da pandemia, Bolsonaro decidiu demitir o ministro da Saúde - Luiz Henrique Mandetta - que recomendava a continuação do confinamento social como estratégia contra a propagação do vírus. Esta decisão de demissão teve fortes repercussões na imprensa e nas redes sociais e foi amplamente criticada por parte da população, parlamentares, governadores e celebridades. O comportamento de Bolsonaro mostra mais uma vez sua incapacidade de administrar um país, preferindo colocar a população em perigo em vez de protegê-la. Neste contexto, populações vulneráveis ​​no Brasil - incluindo os povos indígenas - são ainda mais afetadas.

Desrespeito dos direitos dos povos indígenas

O PNUD alertou que uma pandemia como a do Covid-19 pode aumentar a vulnerabilidade dos povos tradicionais e orientou os diferentes governos a fazer o que é necessário para protegê-los. No entanto, no Brasil, os efeitos da omissão e das negligências do governo na garantia e aplicação dos direitos indígenas são agravados neste contexto de crise sanitária.

Embora as diretrizes internacionais sejam claras sobre a importância de garantir o isolamento dos povos indígenas e monitorar seus territórios para impedir a propagação do vírus, as decisões criminais do atual presidente estão indo na direção oposta. De fato, as autorizações para invadir territórios já demarcados, incluindo populações indígenas em isolamento voluntário, são dadas de forma clara ou implícita [1]. Desde a chegada de Bolsonaro no poder, as invasões e explorações de terras indígenas só aumentaram. Mesmo quando suas terras são demarcadas, os indígenas precisam lutar contra invasões, mineração e extração ilegal de madeira e seus representantes são constantemente criminalizados, ameaçados de morte, vítimas de assassinatos e de várias formas de violência.

Em 18 de abril, Ari Uru-eu-wau-wau, 32 anos, indígena do povo do mesmo nome, foi assassinado no município de Jaru, no estado de Rondônia. Juntamente com outros membros de sua comunidade, ele fazia parte de um grupo de vigilância do território contra invasões e já recebia ameaças de morte constantes. Em 31 de março, Zezico Guajajara, professor, que também lutava para proteger seu território no estado do Maranhão, foi brutalmente assassinado.

Os fatos ocorreram em um contexto marcado por declarações anti-indígenas recorrentes do Presidente da República, Jair Bolsonaro, e pela nomeação de representantes de setores contrários aos direitos indígenas, justamente pelos cargos responsáveis ​​por garantir esses direitos. Seu governo se engajou no desmantelamento de políticas públicas e na desconstrução dos direitos garantidos aos povos indígenas na Constituição. Esse cenário é terreno fértil para invasões de terras indígenas, assassinatos de lideranças e outras violações graves. Além dessas violências e ameaças habituais, os povos indígenas devem agora também lutar contra a disseminação do Covid-19 em suas comunidades.

Um sistema de saúde para povos indígenas precário

O acesso a saúde diferenciada é um direito dos povos indígenas garantido pela Constituição e pela Lei 9.836 de 1999, que deve ser administrada pelo governo federal. No início de 2019, o governo Bolsonaro anunciou a municipalização e privatização da política de saúde indígena, agravando a precariedade do serviço. Em geral, o serviço do sistema de saúde diferenciado indígena já sofre com a falta de pessoal médico, medicamentos, estruturas, equipamentos e materiais quando a distância para as cidades com hospitais não é uma dificuldade adicional.

Durante esse contexto de pandemia, nenhum plano de ação específico foi implementado pelo governo para proteger os povos indígenas e as comunidades tradicionais. Também não se mobilizou para realizar campanhas de informação sobre o vírus. Um plano de ação foi proposto pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) [2], que também criticou a negligência do governo. Em 15 de abril, o ex-Ministro da Saúde emitiu a portaria 55/2020, que prevê a contratação de reforços em profissionais de saúde e a implementação de certos pedidos dos povos indígenas para impedir a propagação do vírus. Mas essas medidas já estão chegando tarde.

Situação em 19 de abril de 2020

Em 19 de abril de 2020, 28 casos de indígenas foram identificados como suspeitos e 27 casos foram confirmados com sintomas do Covid-19. Esses números são na realidade muito maiores. Todos os dias, alertas de casos suspeitos são dados em diferentes territórios, mas eles não são testados e devidamente acompanhados. Atualmente, a maioria dos casos está concentrada no estado do Amazonas, que já está sobrecarregado pelo número de casos de contaminação [3].

Segundo o censo do governo, o número de indígenas que morreram por contaminação por Covid-19 é 3. No entanto, o número levantado pelo movimento indígena contabiliza sete mortes. A Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) não atende indígenas que não moram em seus territórios e, portanto, não contabilizam suas mortes. Segundo a APIB, se trata de uma prática de racismo institucional, cuja estratégia é tornar invisíveis os povos indígenas que vivem nas cidades. A APIB solicitou a revogação urgente do julgamento 070/2004, para que os serviços de saúde indígena sejam prestados a todos os povos indígenas, independentemente de onde eles vivem.

Casos de morte:

  1. 19 de março: Morte de uma indígena de 87 anos do povo Borari em Santarém, Pará (não contabilizado pela Sesai) [4].
  2. 5 de abril: Morte de uma indígena de 55 anos do povo Amazonas Mura (não contabilizada pela Sesai).
  3. 9 de abril: Morte de um adolescente de 15 anos do povo Yanomami (Roraima) depois de passar 21 dias em um hospital. Segundo a Sesai, o adolescente tinha antecedentes clínicos muito graves com desnutrição, anemia e paludismo. Este caso é um exemplo da negligência do governo em relação à assistência médica aos povos indígenas antes mesmo da chegada do vírus [5].
  4. 9 de abril (ou 11): morte de uma mulher indígena de 44 anos do povo Kokama (região do Alto Solimões, sudoeste do estado do Amazonas) [6].
  5. 11 de abril: Morte de um indígena de 78 anos do povo Tikuna (região do Alto Solimões, sudoeste do estado do Amazonas). Segundo o Ministério da Saúde, os dois últimos indígenas foram contaminados pelo Covid-19 em hospitais do estado do Amazonas [7].
  6. 17 de abril: morte de um indígena de 67 anos do povo Sateré Maué (Amazonas) [8].
  7. 19 de abril: Morte de um agente de endemias da Fundação de Vigilância em Saúde do governo do Amazonas que lutou reivindicando testes para Covid-19.

#FiqueNaAldeia: medidas de proteção adotadas pelos povos indígenas

Historicamente, os povos indígenas enfrentaram várias vezes epidemias que foram especificamente planejadas contra eles - através de roupas, cobertores, alimentos infectados com diferentes tipos de vírus - a fim de dizimá-los e, portanto, apropriar-se de suas terras. Esses episódios permanecem gravados na memória social dos diferentes povos.

Uma das principais estratégias usada pelos povos indígenas para se proteger contra a disseminação do coronavírus é fechar suas comunidades instalando barreiras improvisadas que impedem as entradas e saídas do território [9]. Em alguns casos, isto continua sendo uma solução precária, porque às vezes não é possível realizar um controle total do território o que deixa brechas para as invasões [10].

Neste processo, os povos indígenas também não são apoiados pelas autoridades locais, que, pelo contrário, usam a força armada para tentar remover as barreiras sanitárias instaladas. Esta tentativa ocorreu, por exemplo, no início do mês, na comunidade Pataxó Barra Velha, no município de Porto Seguro, área turística do Estado da Bahia e na comunidade Tupinambá de Serra do Padeiro (Terra Indígena Tupinambá de Olivença) também localizada no estado sul da Bahia [11]. Os Tupinambá (Bahia) aguardam há 17 anos a finalização do processo de demarcação de seu território, cujos prazos legais nunca foram respeitados [12]. A não finalização do processo de demarcação só faz aumentar a violência na região, e os representantes da comunidade, incluindo o cacique Babau (Rosivaldo Ferreira da Silva) e membros de sua família, são constantemente ameaçados de morte [13].

As comunidades que não possuem territórios demarcados ou que simplesmente não possuem territórios, vivendo em áreas degradadas e inadequadas, como as margens das rodovias, sem estruturas de saneamento básico (água, comida, moradia digna) são ainda mais vulneráveis. A não demarcação de terras indígenas, bem como a exploração ilegal, significavam que algumas comunidades não podem viver da agricultura e a venda de artesanato se tornara um meio de sobrevivência. Essas comunidades são privadas de seus meios de subsistência durante a pandemia. Algumas têm problemas para poder se alimentar e o governo federal parou de fornecer cestas básicas. Segundo a Funai, a distribuição deve ser retomada este mês devido às reclamações dos povos indígenas. Várias comunidades também lançaram vaquinhas via Internet para atender às suas necessidades alimentares [14].

Principais demandas do movimento indígena

As violações dos direitos indígenas e a constante violência física e psicológica sofrida pelos povos indígenas perpetrados por indivíduos e grupos contrários a demarcação, inclusive por funcionários do governo, interferem na rotina da organização e impactam diretamente as comunidades. A omissão do governo federal, por não garantir os direitos territoriais, só faz intensificar o conflito e a violência. Diante disso, os povos indígenas também devem impedir a propagação do Covid-19.

A APIB enviou em 7 de abril uma série de 10 medidas de emergência que estão sendo negociadas com os governadores de cada estado para proteger os povos indígenas da propagação do Covid-19 [15]. Essas demandas exigem, entre outras coisas, a construção de hospitais de campanha reservados exclusivamente aos povos indígenas; a aquisição de testes rápidos para identificar casos suspeitos e, assim, evitar a contaminação de mais pessoas nas comunidades.

O governo de Bolsonaro deve reverter imediatamente sua posição atual de minimizar a ameaça do COVID-19 e cumprir as recomendações internacionais para conter a pandemia e proteger a população brasileira, respeitando sua diversidade.

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